03 novembro 2006

O Mar


Era uma vez um povo
Que viajou de Lisboa para a índia
Um grande e nobre povo
Que não se continha nas fronteiras de um pequeno país
Um povo com um sonho, uma aventura, uma história
Que se encontrou no mar
E se perdeu no tempo













Portugal, que sempre teve o Mar como destino, voltou-lhe as costas e enfrenta agora uma Europa, que na verdade, sempre o desprezou. Portugal foi sempre grande quando esteve virado de frente para o seu destino natural. Actualmente, comprado pelo €uro, é cada vez mais um pequeno estado esmagado pelo directório das grandes potências europeias, que por sua vez são dominadas pelos Estados Unidos da América.
Tivemos a nossa história trágico-marítima, o “Regresso das Caravelas”, um “Parto com Dor” e um “Lago imenso de oceanos salgados” para regressar. É a esse destino que nos dirigimos nesta emissão sobre o Mar.

A voz do Mar é a voz de toda a vida
Que se não diz em versos nem em gritos
É a grande voz augusta e condoída
Dos santos, dos heróis e dos aflitos

É a voz da vida fluida, inexprimível
O choro imenso e trágico de pan
E desse erguer de mãos ao impossível
Que é toda a sede da nossa alma vã
















As captações de sons para as emissões de «Como no Cinema» foram todas feitas no exterior, de microfone na mão. Totalmente live on tape. Fizesse sol ou chuva, os sons tinham de ser captados. No caso desta emissão sobre o mar, as circunstâncias de gravação ao ar livre revestiram-se de dificuldades inesperadas. Estávamos numa tarde de quinta-feira, o programa iria ser emitido no sábado à meia-noite, e ainda me faltava ter em mãos a Voz do mar. Era um dia de temporal, esse. Em Outubro. Não parava de chover e o vento soprava forte. Numa praia da costa portuguesa, as vagas eram enormes. Estava perante uma maré viva muito intensa. Um verdadeiro "Mar de Outubro”. Coloquei-me junto à margem, dirigindo o microfone para o mar. Tinha de gravar pelo menos 50 minutos, a fim de garantir em fundo a presença do som das ondas durante toda a emissão. Mas o temporal era cada vez mais forte. A deliciarem-se naqueles vagalhões estavam alguns surfistas destemidos, mas eles sabiam que não era dia de trovoada. Tratava-se de uma intempérie saudável. Não conseguia aguentar estar ali muito mais tempo naquela situação e tive que arranjar uma solução na hora. Deixei o microfone e gravador debaixo do guarda-chuva, semi-enterrado na areia molhada, a fim de não voar com as rajadas de vento. Refugiei-me no alpendre de uma velha cabana de madeira, a uns bons metros de distância, a contemplar aquela brutal manifestação das forças da natureza. Sensivelmente a meio do tempo de gravação, um surfista curioso, no seu trajecto para o mar, aproximou-se do guarda-chuva. À distância a que me encontrava, não podia dizer ou fazer nada. Apenas desejar que o surfista não se aproximasse do gravador. Mas ele aproximou-se e pior do que isso, levantou o guarda-chuva! Fiquei fulo e disse para comigo próprio: “Pronto, já estragou a gravação!” O surfista, segurando o guarda-chuva, olhou em redor e viu-me. Gritou-me qualquer coisa que não percebi. Apenas lhe acenei com o braço. Ele baixou o guarda-chuva e seguiu para a água. Deixei o gravador continuar, dando-lhe um tempo extra, até chegar ao tempo limite do mini-disc. Depois de todo aquele tempo, vencido pelo frio e pela humidade do salitre, peguei no gravador e recolhi a casa. Quando fui ouvir a gravação para ver o que se aproveitava constatei que o tempo de som captado era suficiente para a emissão. Respirei fundo de alívio. Eu sabia que não iria ter outra oportunidade para gravar o som do mar antes do programa. Outra constatação foi o verificar da intervenção do surfista e, assim, pude finalmente perceber o que ele me tinha gritado lá na praia: “… mas que raio… ISTO AQUI É SEU???”.














Ó Mar
Leva tudo o que a vida me deu
Tudo aquilo que o tempo esqueceu
Leva que eu vou voltar
Ó Mar
Como quem vem
E regressa ao fundo
Do ventre da mãe

Tão indiferente
Consumiste na força bravia
Todo o encanto das coisas que havia
E lançaste na praia ardente
Náuseas e pragas
Despojos de almas
As carnes em chagas
As mágoas
Condenaste-me à noite
De sangue e fogo
E vento e sombras
Ao teu quebranto
Mas deixa-me ao menos
O corpo despido
Em descanso

Ó Mar
Lago imenso de oceanos salgados
Onde os rios também naufragados
Vão por fim descansar
Ó Mar
Tecem murmúrios
Sensuais
Como os amantes
Depois
Repousam em paz


No teu ciúme
Ó sereia do braço da ira
Seduziste na tua mentira
E arrastaste contigo o mundo
Todos os sonhos
Os meus desejos
Os suaves Outonos
E o Tejo
São saudades que eu tenho
Leve memória
Do que já fui
Que já não sou
Mas se tudo levaste
Leva enfim esta dor
Que ficou


Porque tudo na vida pode ser um filme, tudo na vida pode ser Como no Cinema


Pela primeira vez disponível na Internet:
DOWNLOAD

Como no Cinema
O Mar

Vozes:
(legendas)
João Paulo Guerra
Aníbal Cabrita
Maria Azenha
Inês Meneses
Baby Sandy & Mister-X

Depoimentos históricos:
António de Spínola
Almeida Santos
Melo Antunes

Textos:
Fernando Pessoa
Manuel Alegre
Fausto Bordalo Dias
Vitorino Nemésio
António Patrício
Pedro Ayres Magalhães
Maria Azenha

Música:
(imagens)
Tavagna
Les Nouvelles Polifonies Corses
Silvania
This Mortal Coil
KLF
Mark Knopfler
Robert Rich
Fausto
Sétima Legião

Assistência técnica:
Paulo Canto e Castro

Textos de ligação, Produção, Montagem (em directo) e Realização:
Francisco Mateus

Todos os sons captados à beira do Oceano Atlântico
(costa ocidental portuguesa)

Tempo total: 39:39 min.

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Próxima emissão: «Moinho de Maré»